O presidente do Egito, Abdel Fattah al-Sisi, instou nesta quinta-feira os moradores da Faixa de Gaza a “permanecerem firmes e continuarem nas suas terras”, ignorando a pressão para autorizar a saída de civis do território bombardeado por Israel em resposta à ofensiva do grupo terrorista Hamas, no sábado. Apesar de afirmar que está empenhado em garantir ajuda, o país tem se colocado contrário aos apelos crescentes, incluindo de autoridades americanas, para que os palestinos em fuga entrem no seu território.

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O Egito faz fronteira com o enclave palestino através da cidade de Rafah, no sul de Gaza, único ponto sob controle egípcio e único ponto de trânsito que é mantido aberto na maior parte do tempo — a região sofre um severo bloqueio israelense desde 2007, quando o Hamas chegou ao poder. No território, vivem mais de dois milhões de palestinos. São quase 6 mil habitantes por km² — uma das densidades populacionais mais altas do mundo.

Na quarta-feira, as autoridades egípcias rejeitaram qualquer medida para criar corredores seguros para refugiados que buscam sair de Gaza, segundo a Reuters. O Egito insiste em uma solução diplomática, argumentando que ambos os lados devem resolver o conflito dentro de suas terras e que um deslocamento em massa poderia dificultar “o direito dos palestinos de manterem sua causa e sua terra”, disse uma fonte do governo à agência de notícias britânica.

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Al-Sisi também tem afirmado que a segurança nacional do Egito é a sua “principal responsabilidade”. Com medo de ser arrastado para uma crise por conta do conflito, o presidente alegou na terça-feira que o país “não permitirá que a causa palestina seja resolvida à custa de outras partes”.

O Cairo já vinha alertando nesta semana que a contraofensiva levaria ao êxodo de palestinos para o seu território, segundo a Reuters. Citando fontes de segurança de alto nível, meios de comunicação ligados ao Estado egípcio advertiram contra uma fuga em massa de palestinos, que estavam sendo “forçados a escolher entre a morte sob os bombardeios israelenses ou o deslocamento de sua terra”.

Para o Egito, permitir a passagem de um grande número de habitantes de Gaza, mesmo como refugiados, para a Península do Sinai seria “reviver a ideia de que a região é o país alternativo para os palestinos”, explicou Mustapha Kamel al-Sayyid, cientista político da Universidade do Cairo, ao New York Times. Em 1967, na Guerra dos Seis Dias, Israel anexou a região ao seu território, que foi retomado posteriormente em 1973, na Guerra do Yom Kippur.

Em uma postagem na rede social X (antigo Twitter), a embaixadora de Israel no Egito, Amira Oron, alegou que “Israel não tem intenções em relação à Península do Sinai e não pediu aos palestinos que se mudassem para lá”, acrescentando que “o Sinai é território egípcio”.

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Outro cenário que também preocupa o Egito é acabar como administrador de Gaza, algo que segundo al-Sayyid, “o país nunca poderia aceitar”. O enclave sempre foi uma dor de cabeça para al-Sisi, e os seus laços estreitos com Israel e os Estados Unidos colidem desconfortavelmente com as opiniões pró-Palestina do seu próprio povo.

O presidente também desconfia do grupo terrorista Hamas, que governa a região desde 2007. Dezenas de milhares de palestinos invadiram em 2008 o Egito depois que o Hamas abriu um buraco na cerca da fronteira de Rafah.

As forças de segurança egípcias e israelenses coordenaram-se estreitamente para monitorar Gaza, e os egípcios utilizaram controles fronteiriços rigorosos para permitir que alguns residentes de Gaza entrassem no Egito, principalmente para estudar, obter tratamento médico ou viajar para um terceiro país — controle que endureceu com a chegada do grupo terrorista ao poder.

Nesta quinta-feira, a diplomacia do Egito afirmou em um comunicado que a fronteira em Rafah está “aberta” e “em operação”, mas que a infraestrutura do lado palestino “foi destruída” devido aos bombardeios israelenses, o que impede a livre circulação de pessoas.

Apesar de obstruir a passagem, o Egito disse que está empenhado em garantir a entrega de “ajuda, tanto médica como humanitária, neste momento difícil”, disse al-Sisi, afirmando a “posição firme” do Cairo de garantir os “direitos legítimos” dos palestinos. O país é historicamente um intermediário fundamental entre o Hamas e Israel e apelou aos doadores para que enviassem ajuda humanitária com destino a Gaza para o aeroporto de El Arish.

Até o momento, quase 400 mil pessoas se deslocaram da Faixa de Gaza por conta do conflito e da contraofensiva de Israel, de acordo com o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários. Mais de 1.500 foram mortas.

Apesar da denúncia de violação do direito humanitário internacional pela ONU, o Estado judeu segue bombardeando de maneira incessante o enclave palestino desde o ataque do Hamas, como parte do anunciado “cerco total”. Segundo o ministro da Defesa israelense, a promessa é deixar a região “sem eletricidade, sem comida, sem água e sem gás”. De acordo com autoridades palestinas, o território ficou completamente sem energia elétrica na quarta-feira, após a usina que atende os mais de 2 milhões de habitantes da região parar de funcionar por falta de combustível.

As autoridades americanas, no entanto, apelam aos egípcios para que permitam que os civis deixem Gaza pela Travessia de Rafah. Numa entrevista coletiva em Israel nesta quinta, o secretário de Estado Antony Blinken, que viajou para Israel, disse que discutiu o assunto com autoridades israelenses.

O presidente Lula também pediu a criação de um corredor humanitário ligando a Faixa de Gaza ao Egito, para permitir que as pessoas saiam do enclave e que mantimentos e remédios possam entrar. O pedido foi feito ao presidente de Israel, Isaac Herzog, nesta quinta-feira em uma conversa por telefone, informou o líder brasileiro nas redes sociais.

O Egito foi o primeiro Estado árabe a normalizar as relações com Israel, em 1979, depois da reconquista da Península do Sinai do controle israelense.