Relatório divulgado nesta quinta-feira pela OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), grupo de 38 países do qual o Brasil já manifestou interesse em fazer parte, levantou uma série de alertas quanto à atuação brasileira no combate à corrupção. O documento, elaborado por um grupo de trabalho voltado à avaliação de práticas anticorrupção, elencou riscos no país envolvendo desdobramentos da Lava-Jato, a atuação da Procuradoria-Geral da República (PGR), decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e interferências do Poder Executivo em órgãos investigadores.

Por ser um organismo internacional, a OCDE prioriza a análise de mecanismos brasileiros que podem impactar investigações de crimes multinacionais, embora também considere desdobramentos de casos domésticos no Brasil. A entrada na OCDE é tida como um “selo” para atração de investimentos estrangeiros; a organização, por outro lado, coloca diretrizes econômicas e institucionais a serem seguidas por seus países-membros.

O Brasil formalizou interesse em entrar na OCDE em 2017, no governo Michel Temer, e reforçou o pleito na gestão de Jair Bolsonaro. O atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva reiterou no início deste ano que o país deseja fazer parte do grupo, embora tenha pontuado que deseja discutir as “condições de entrada” e o papel brasileiro na organização.

Entenda a seguir, em oito pontos, os principais alertas levantados pela OCDE:

Baixo índice de condenações

Os examinadores da OCDE sinalizaram “preocupações” em relação ao nível de combate à corrupção internacional no Brasil. De acordo com o relatório, de 60 casos de suposto pagamento de propina envolvendo atores estrangeiros desde 2000, o país investigou 28 e levou apenas um a julgamento.

O relatório ponderou que nove desses casos foram concluídos através do acordo de leniência da Odebrecht, no qual a empresa se comprometeu com sanções e multas para não ir ao tribunal. As provas obtidas pelo acordo, no entanto, foram anuladas em decisão do ministro do STF Dias Toffoli em setembro deste ano.

Trânsito em julgado e risco de prescrição

O relatório cita a decisão do STF em 2019, contra a prisão após condenação em segunda instância, e falhas na legislação como fatores que podem alongar processos e “gerar impunidade”.

A OCDE citou a condenação de executivos da Embraer em primeira instância, em 2018, por pagamento de US$ 3,5 milhões em propina na venda de aviões à República Dominicana. Após recursos, a acusação de corrupção internacional prescreveu em 2022 para a maioria dos acusados.

No documento, os examinadores da OCDE afirmaram que “nenhum réu deve ser privado de sua liberdade sem o devido o processo legal”, mas “lamentaram que a revisão de interpretação do STF possa exacerbar os desafios do sistema judicial brasileiro”. “Combinado com as regras de prescrição no Brasil, isto cria um risco de gerar impunidade na prática para corrupção internacional”, diz o texto.

Decisão de Toffoli sobre leniência da Odebrecht

O grupo de trabalho da OCDE disse que a decisão de Toffoli, que vetou o uso de provas obtidas no acordo de leniência da Odebrecht, pode “afetar a segurança jurídica” de outros acordos similares e abalar a participação do Brasil em “cooperações jurídicas em casos de corrupção internacional”.

“Os examinadores recomendam que o grupo de trabalho (da OCDE) acompanhe as possíveis consequências que esta decisão pode gerar nos acordos de leniência no Brasil relativos à corrupção internacional, particularmente em que medida pode afetar sua segurança jurídica”, diz o relatório.

O relatório cita alertas de diversas entidades, incluindo a Transparência Internacional, sobre suposta “interferência política indevida” na PGR no mandato de Augusto Aras. A OCDE pediu que o país “estabeleça salvaguardas para proteger a PGR de politização ou percepção de politização”.

Citando relatos colhidos pelo grupo de trabalho em sua visita ao Brasil, o relatório registrou que “a escolha do próximo PGR será um importante balizador sobre o rumo futuro” do país. O mandato de Aras se encerrou em setembro, e o governo Lula ainda não decidiu o substituto.

Independência e imparcialidade do MPF

A OCDE identificou “riscos à independência” de promotores, citando sanções do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) contra membros da Lava-Jato, em 2022, contrariando relatórios técnicos dos respectivos órgãos.

Em agosto do ano passado, o TCU determinou a devolução de R$ 2,8 milhões gastos em diárias e passagens com procuradores da operação. O relatório da OCDE observou que uma comissão investigadora “não apontou irregularidades” na ocasião. Em dezembro, dois procuradores da Lava-Jato do Rio foram sancionados pelo CNMP por um comunicado institucional que havia divulgado a apresentação de uma denúncia contra senadores do MDB. Apesar de uma comissão técnica ter descartado a violação de normas disciplinares, os procuradores foram suspensos pelo CNMP.

A OCDE também criticou o “viés político” de procuradores que atuaram em casos anticorrupção, citando especificamente o caso das mensagens vazadas de procuradores da Lava-Jato. O caso levou o STF a anular, em 2021, as condenações do então ex-presidente Lula na Lava-Jato.

“Os examinadores estão profundamente preocupados com a percepção de falta de independência e autonomia de procuradores (…). Eles também notaram com preocupação que, assim como confirmado pelo STF, houve influência de viés político em decisões judiciais em um caso proeminente de corrupção”, diz o documento da OCDE.

Extinção do modelo de força-tarefa

Os examinadores afirmaram que forças-tarefas como a da Lava-Jato atuaram em “casos complexos”, e que sua extinção pode “enfraquecer a capacidade do Brasil” de combater crimes internacionais. Os GAECOs (Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), modelo escolhido para substituir as forças-tarefas, têm “natureza mais institucionalizada”, mas carecem de “especialização”, segundo o relatório da OCDE.

Cooperação internacional

Segundo o relatório, membros da OCDE relataram “maior dificuldade para cooperações internacionais” com o Brasil após o fim da Lava-Jato, além de demora para obter autorizações judiciais para compartilhamento de dados.

O texto afirma que “contatos informais” com investigadores de outros países são “aceitos internacionalmente como boa prática” para se chegar a acordos formais. Na decisão em que anulou as provas obtidas com o acordo de leniência da Odebrecht, o ministro Dias Toffoli questionou os procedimentos adotados pelos procuradores da Lava-Jato. Para Toffoli, a força-tarefa não seguiu as etapas formais necessárias à obtenção de documentos da Odebrecht na Suíça. Uma sindicância da PGR, por outro lado, não mostrou irregularidades na conduta dos procuradores.

Tentativa de interferência na extradição de Allan dos Santos

O relatório apontou que, embora não tenha identificado problemas no quadro geral de tratativas de extradição, houve uma “suposta tentativa” de interferência do governo Bolsonaro no processo envolvendo o blogueiro bolsonarista Allan dos Santos, o que exigirá um “acompanhamento futuro”.