Moradores da Amazônia Legal lidam diariamente com inúmeros desafios de acesso a políticas públicas. Na saúde, além da menor expectativa de vida ao nascer, a região chega a ter uma proporção de médicos até três vezes menor do que a média do país. Na educação, possui a menor proporção de alunos matriculados no ensino infantil e a maior taxa de evasão escolar no ensino médio.

Em parte, o cenário é resultado de políticas que desconsideram especificidades da Região Amazônica, como a baixa densidade demográfica, o regime dos rios e a diversidade de povos e etnias. O enfrentamento desse descaso, necessário para qualquer plano de futuro para a Amazônia, passa pela incorporação do “fator amazônico” nas políticas de proteção social, com destaque para saúde, educação e assistência social.

O termo “fator amazônico” nasceu na ditatura militar para estigmatizar as características locais como aspectos negativos para o desenvolvimento da região. Ao longo do tempo, gestores públicos ressignificaram o termo e passaram a utilizá-lo para reivindicar maior alocação de recursos para produzir políticas públicas na região, tratando diferentemente o diferente. Sem deixar de lado a questão orçamentária, o conceito se desenvolveu e integrou outras dimensões, como a diversidade étnica e cultural, o acesso democrático à eletrificação e à conectividade nos territórios e os conflitos de ordenamento territorial.

As políticas atuais de saúde, assistência social e educação são claras candidatas para introduzir o “fator amazônico” em suas implementações, tendo em vista que são áreas bem estruturadas e com responsabilidades compartilhadas entre os três níveis de governo. Nesse sentido, possuem em seus desenhos mecanismos que permitem: (i) ampliar a transferência de recursos financeiros destinados aos territórios amazônicos; (ii) adaptar os equipamentos físicos voltados a atender grupos específicos; e, (iii) garantir profissionais capacitados a acolher esses públicos.

Já há soluções em curso para fortalecer as capacidades locais na implementação de políticas públicas que assegurem os direitos básicos de quem vive nos territórios amazônicos. Mas essas iniciativas precisam da colaboração das três esferas de governo para ganhar escala e garantir financiamento compartilhado.

Na política de saúde, destaca-se a Unidade Básica de Saúde Fluviais (UBSF), embarcação idealizada no plano local para atender populações ribeirinhas e que se tornou padrão para toda a Amazônia. Outra importante experiência é a infraestrutura de balsa-escola, presente em alguns municípios para oferta de educação básica em comunidades ribeirinhas. Na assistência social, o governo federal está em processo de reformulação do Programa de Lanchas, a partir de demandas dos municípios por um modelo de embarcação mais adequado às realidades dos rios amazônicos.

Essa discussão é fundamental para superar as desigualdades que os territórios enfrentam no acesso a direitos e construir uma abordagem territorializada na implementação de políticas públicas na Amazônia. Isso só será possível com uma governança ampliada, que articule governo federal, estados e municípios, além dos diversos segmentos que compõem a sociedade civil, incluindo especialmente povos indígenas, ribeirinhos e quilombolas da região. Está mais que na hora de deixar de tratar diferentes igualmente.

  • Karine Julião é mestre em Gestão de Políticas Públicas e pesquisadora do Programa de Desenvolvimento Local do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas (FGVces).
  • Guilherme Nunes Pereira é mestre em Políticas Públicas e pesquisador do Programa de Desenvolvimento Local do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas (FGVces).
  • Mario Monzoni é doutor em Administração Pública e Governo, professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EAESP) e coordenador do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas (FGVces).

(*) Este artigo reflete a opinião do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso destas informações.

Karine Julião é mestre em Gestão de Políticas Públicas e pesquisadora do Programa de Desenvolvimento Local do FGVces — Foto: FGVces/Divulgação

Guilherme Nunes Pereira é mestre em Políticas Públicas e pesquisador do Programa de Desenvolvimento Local do FGVces — Foto: FGVces/Divulgação
Guilherme Nunes Pereira é mestre em Políticas Públicas e pesquisador do Programa de Desenvolvimento Local do FGVces — Foto: FGVces/Divulgação

Mario Monzoni é coordenador geral do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EAESP) — Foto: Divulgação
Mario Monzoni é coordenador geral do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EAESP) — Foto: Divulgação