Há um limite para que a curva de juros longa nos Estados Unidos se mantenha inclinada sem causar um impacto mais grave sobre as condições financeiras, avaliou o diretor de Política Monetária do Banco Central, Gabriel Galípolo, durante o XXI Semana de Economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), em São Paulo.

Segundo o dirigente, “um grupo de pesquisa [do mercado financeiro] chegou a soltar um relatório que diz existir cerca de US$ 10 trilhões em perdas que não estão aparecendo no mercado porque não estão marcadas a mercado”. Galípolo explicou que “já se começa a olhar os vencimentos dessas dívidas, parte com vencimentos entre 2024 e 2025, e que, se forem roladas nas taxas atuais, um aperto de liquidez seria intenso e isso pode colocar um risco [ao setor financeiro]”.

Na visão do diretor do BC, esse cenário pode “se apresentar como um limitante para que essas taxas de juros não possam abrir tanto”. Caso contrário, isso “pode gerar um problema para os próprios Estados Unidos nessa dinâmica”.

Conforme Galípolo, “o cenário que está desenhado para a gente é o cenário internacional mais desafiador que tivemos nos últimos anos”.

Sobre a principal fonte de pressão nos mercados internacionais hoje, a abertura das taxas longas das Treasuries americanas (títulos do Tesouro dos EUA), o dirigente listou várias explicações que têm sido ventiladas pelos agentes do mercado. O especialista citou desde o relaxamento do controle de curva de yield (rendimento) feito pelo Baco do Japão (BoJ) até a redução no estoque de Treasuries na China. De acordo com Galípolo, “foi verdade que a China usou uma série de instrumentos para fazer a defesa de sua moeda nos últimos meses”. A economia chinesa vem perdendo dinamismo, pontuou o economista, mas “as autoridade chinesas falam abertamente que estão fazendo uma mudança [estrutural na economia] que pode ser entedida como uma alteração de polo dinâmico”.

De acordo com Galípolo, a China tem sinalizado que quer passar a ter um crescimento mais voltado ao consumo doméstico e inovação tecnológica e “as autoridades do país dizem saber que isso vai tirar dinamismo da economia chinesa, mas é uma transição que estão fazendo”.

A subida de taxas das Treasuries parece ter um impacto mais forte também de fatores técnicos. De acordo com o diretor do BC, a reversão do aumento do balanço pelo Federal Reserve (Fed, o BC dos EUA), o quantitative tighteing, “está deixando de rolar US$ 80 bilhões por mês, isso está sendo colocado a mais de oferta de Treasuries”.

Além do QT, diante do aumento dos juros para a faixa de 5% a 5,5%, “isso tem provocado um efeito meio inédito dado o volume da dívida e a [alta da] taxa de juros”. Segundo Galípolo, “pode ser um dos primeiros anos que o orçamento dos EUA de juros será superior ao do orçamento militar”.

Conforme o diretor do BC, “quando a gente soma um impulso fiscal mais o que está sendo pago de juros, a necessidade de financiamento [do governo americano] alcança US$ 200 bilhões por mês”. Junto com os US$ 80 bilhões do QT o volume alcança US$ 250 bilhões mensais. “Então o quanto tecnicamente essa oferta [acima da média histórica] está gerando a abertura das taxas?”, questionou.

Galípolo também citou a possibilidade de recursos estarem sendo direcionados para o mercado de curto prazo. “Os recursos que não estão nas Treasuries, minha suspeita é que estão indo para a ponta curta do mercado, o money market. Se imaginarmos que as Treasuries abriram 80 pontos-base [em um mês e meio], isso na marcação a mercado, essa elevação muito rápida provoca e machuca muito o valor do título. Essa abertura gera prejuízos para detentores dos títulos na marcação a mercado. Então o sujeito que tomou a pancada de 80 pontos-base precisa de um lugar para engolir o sangue. O money market não sofre marcação a mercado e está pagando 5% a 5,5%, mais do que a ponta longa.”

Segundo o dirigente, “quando começa a pagar 5% a 5,5% para cash, isso passa a virar classe de ativos”. Galípolo citou também que o Fed parece querer fazer uma combinação de ajustes para evitar ter de subir mais o juro curto. “É um ajuste fino que não é simples. Como o BC cria espaço para parar de subir a taxa curta, mas fazer que parte da restrição monetária venha de uma curva longa subindo? O Fed tem dito que vai parar [de subir os juros], mas com um discurso ‘hawkish’ [inclinado a maior conservadorismo na política monetária], para ver se consegue inclinar a curva.”

Gabriel Galípolo, diretor de Política Monetária do Banco Central — Foto: Pedro França/Pedro França/Agência Senado