O debate sobre a venda de órgãos na Argentina se esconde atrás de uma suposta moral que –na realidade– despreza o valor da vida humana diante de um sistema que não funciona.

Os Incucai comandam esse esquema que causa mortes devido à aplicação de uma moral incompreensível contra a venda de órgãos dos mortos. Enquanto isso, a mesma instituição admite que centenas de pessoas perdem a vida todos os anos devido à escassez de doadores mortos.

A realidade é que os órgãos que não são doados na Argentina são apropriados pelo Estado. E apesar dessa violação do direito de cada um sobre seu corpo, a experiência mundial mostra que a doação à revelia – como ocorre na Argentina após a Lei Justina de 2018 – gera benefícios marginais, anedóticos, não verificáveis ​​pelo método científico.

Deve-se notar que os números argentinos tiveram altos e baixos desde a mencionada lei.

O caso mais interessante nesse contexto é a Coreia do Sul, um país democrático, respeitador de direitos, institucionalizado, rico e moderno. Analisaremos o caso a seguir.

Quanto à questão de quem é o dono do corpo, na vida, não há dúvida: a lei considera o corpo um bem de seu dono. Você pode alugar sua força, vender o fruto de seu cérebro, até mesmo o som de sua voz.

Por outro lado, o fruto da venda de sua obra também é propriedade privada. Salários e dividendos, ativos e poupanças, até mesmo propriedade intelectual. Isso, naturalmente, pode ser legado.

Em conclusão, o corpo vivo é um bem privado, mas morto ele se transforma: torna-se um bem confiscado. Quando a vida é perdida, é o Estado que decide como ela é administrada, a quem os órgãos são doados, como e quando.

Os herdeiros podem dispor de tudo, menos do bem primário de todo ser humano. E ainda, esse bem é confiscado por burocratas, sem nenhuma indenização.

A discussão ganha outro matiz quando o corpo de um chefe de família é tudo o que resta para seus herdeiros. Nesse caso, é quase um imposto sobre mendigos.

E aqui ganha valor o caso da Coreia do Sul mencionado acima. Lá, a doação cadavérica recebe indenização de US$ 4 mil se for apta para transplante. Vários estudos mostram que o número de doações e transplantes cresceu, principalmente após a adoção dessa compensação em 2006.

Diante desses fatos da realidade, é razoável e conveniente que, quando uma pessoa falece, seus herdeiros tenham o direito de receber uma compensação financeira por seus órgãos. O Estado paga por corações artificiais, um membro artificial e tratamentos paliativos que não poderiam salvar a vida de um paciente na ausência de doadores altruístas.

Obviamente, o papel incontornável do governo é o de mediar esta transação com uma autoridade que cumpra os procedimentos relevantes e garanta o consentimento informado, entre outras etapas processuais, salvaguardando a legalidade do ato.

A compensação financeira vem junto com a satisfação de salvar vidas. Mas é preciso notar que o sistema atual, baseado no altruísmo auxiliado pela violação dos direitos mais íntimos da pessoa, não deu os resultados esperados, fracassou em todo o mundo.

Os negadores dessa falha argumentam que seria “imoral” compensar órgãos, porém, esse argumento não supera uma questão simples: é preferível manter a “moralidade” ou salvar uma vida?

As coisas como elas são.

*Analista em geopolítica. Filósofo e advogado especializado em antropologia pela Temple University, na Filadélfia.

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