O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que a empresa israelense Cognyte (ex-Verint) informe a lista de todos os órgãos brasileiros que utilizaram a ferramenta “First Mile”. O objetivo é que a Polícia Federal investigue quem, além da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), operou o sistema secreto com capacidade de monitorar, sem autorização judicial, os passos de até 10 mil pessoas por ano.

De acordo com a PF, profissionais da equipe de operações da Abin acessaram, sem qualquer controle formal, o “First Mile” durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Para isso, bastava digitar o número de um contato telefônico no programa e acompanhar num mapa a localização registrada a partir da conexão de rede do aparelho. 

Ao analisar os cerca de 1.800 acessos feitos pela Abin na ferramenta — um número que a PF considera ser apenas um extrato das consultas de fato realizadas no programa —, investigadores descobriram contatos relacionados ao ex-deputados Jean Wyllys e David Miranda, além de outros políticos, jornalistas e advogados e até um servidor do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Como O GLOBO mostrou na semana passada, um dos monitorados pela agência de inteligência foi o analista ambiental Hugo Ferreira Netto Loss, então coordenador de Operações de Fiscalização do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama). O servidor foi exonerado do cargo, em abril de 2020, após encabeçar operações contra garimpeiros e madeireiros ilegais na Amazônia.

No último dia 20, a PF realizou uma operação para cumprir dois mandados de prisão e 25 de busca e apreensão contra o monitoramento ilegal. Em um dos locais, foram encontradas evidências de que o Exército Brasileiro utilizou o “First Mile”. A corporação adquiriu a ferramenta da Cognyte durante a intervenção federal na segurança pública do Rio. 

Há ainda contratos firmados pela empresa israelense com a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e pelo menos nove governos estaduais, como os de Goiás, São Paulo, Amazonas e Mato Grosso.

O inquérito apura também, além do uso indevido do sistema, a atuação de dois desses servidores da Agência que, em razão da possibilidade de demissão em processo administrativo disciplinar, teriam utilizado o conhecimento sobre o uso indevido do sistema como meio de coerção indireta para evitar a demissão.

Conforme reportagem publicada no GLOBO em março, os dados são coletados por meio da troca de informações entre os celulares e antenas para conseguir identificar o último local conhecido da pessoa que porta o aparelho. O sistema foi utilizado quando o diretor da agência era Alexandre Ramagem, atualmente deputado federal.

A PF pontua também que o sistema de geolocalização utilizado pela Abin é um software intrusivo na infraestrutura crítica de telefonia brasileira. “A rede de telefonia teria sido invadida reiteradas vezes, com a utilização do serviço adquirido com recursos públicos”, informou, em nota.

Os investigados podem responder, na medida de suas responsabilidades, pelos crimes de invasão de dispositivo informático alheio, organização criminosa e interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.