Em Realengo, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, João, que coleta recicláveis nas ruas do bairro, prioriza a coleta de latinhas de alumínio frente a de plástico. Isso acontece por conta da diferença no valor do quilo de ambos os materiais e, assim, muitas vezes, o plástico é deixado na rua, poluindo a cidade e, possivelmente, encontrando um caminho até o mar.

Após algum tempo trabalhando com reciclagem como catador autônomo, João, com uma bicicleta ou um carrinho para armazenar o material, encontra melhores condições de coleta. Com isso, ele passa a recolher também os resíduos plásticos, ainda que estes sejam comercializados por um valor inferior. Na dinâmica da reciclagem, logo percebe que há dois tipos de plástico: o das garrafinhas PET (comuns entre águas, sucos e refrigerantes) e o das bandejas de PET, nas quais, geralmente, são comercializadas frutas como uvas e morangos. Ao chegar no ponto de coleta para vender o material, o catador se surpreende ao saber que o ponto não pode comprar a bandeja de PET pois não consegue revender para o próximo elo da cadeia de reciclagem. Mas por quê?

A resposta é a reciclabilidade. Na verdade, a falta dela. Apesar de serem termos parecidos e relacionados, para um resíduo pós-consumo, existe uma diferença entre ter reciclabilidade e ser reciclável. Por razões distintas, como dificuldade de coleta, alto custo de reciclagem e ineficiência econômica da operação, indisponibilidade de tecnologia ou falta de iniciativas para reaproveitá-lo em escala industrial, por exemplo, é comum que um material seja reciclável, mas não seja reciclado na prática.

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A reciclabilidade está diretamente ligada à capacidade operacional de recicladoras e à adequação dos materiais a essas operações. Por isso, muitos especialistas no tema defendem que a preocupação dos fabricantes com a reciclabilidade deve estar presente desde o momento de concepção e design de embalagens e produtos em geral. Apesar de ser totalmente reciclável, de forma química ou mecânica, o plástico não está imune aos problemas de reciclabilidade, assim como outros materiais. Dessa forma, a embalagem plástica de PET flexível é uma das que oferecem maior dificuldade. Por ter camadas de diferentes materiais, sua composição é mais complexa, o que dificulta o processo.

A chave para essa resolução é o que já vimos acontecer com a latinha de alumínio: a padronização. Existe apenas uma composição química das latinhas fabricadas no Brasil, e isso viabiliza a reciclagem total desse material, além de proporcionar um preço atrativo para o catador. Para essa mudança, mais do que as ações de todos nós que trabalhamos no setor, o papel do consumidor é fundamental.

É preciso exigir informação adequada sobre a reciclabilidade do produto que estamos comprando e saber se ele efetivamente tem valor para a cadeia da reciclagem e, portanto, não será descartado.

O Projeto de Lei 2.524/2022, em análise no Senado Federal, estabelece regras para limitar a geração de resíduos de produtos plásticos de uso único, como utensílios descartáveis – canudos e copos, por exemplo. Este, sem dúvidas, é um ponto fundamental para o tema dos resíduos plásticos, mas ainda é raso.

Mais importante do que o plástico ter um, dois ou três usos, é saber se, de fato, ele poderá ser reciclado no futuro. A garrafa PET, por exemplo, é um produto de uso único, mas tem alta reciclabilidade e oito ciclos de vida. O que precisamos é que o plástico encontre o caminho da reciclagem.

A forma com a qual nos relacionamos com o plástico está equivocada. Não há mais espaço para considerá-lo como um item descartável e sem valor – afinal, o material não é o problema, nós somos.

João, de Realengo, não coletará nem entregará mais bandejas PET no ponto de coleta porque sabe que não tem quem recicle esse produto. Mas cabe ao poder público, à indústria e à sociedade como um todo olhar para a circularidade, garantir o retorno de materiais à cadeia produtiva e garantir que a produção de novos plásticos seja feita de forma consciente.

Miguel Paranaguá é diretor de operações da Plastic Bank no Brasil e sempre atuou em projetos de impacto social e/ou ambiental. Graduado em administração pela PUC-Rio, com intercâmbio na SRH Berlin com foco em energias renováveis, também cursou o programa de MicroMasters do MIT no curso de Data, Economics and Development Policy. Em sua carreira, já trabalhou com temas de energia solar; ferramentas digitais para captação de recursos para o terceiro setor; projetos ribeirinhos na Amazônia; e, desde 2020, com reciclagem de plástico.

(*) Este artigo reflete a opinião do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso destas informações.

Miguel Paranaguá é diretor de operações da Plastic Bank no Brasil — Foto: Plastic Bank / Divulgação