Joann Sfar é um dos meus autores de quadrinhos favoritos. Ele é francês, filho e neto de franceses; e é também judeu. Como eu, e como tantos milhões de judeus e descendentes de judeus ao redor do mundo, ele também sentiu uma punhalada no coração sábado passado. E, como tantos de nós, também está perdido entre o choque do horror e o choque do ódio, entre a carnificina real que aconteceu em Israel e a carnificina das redes, que só é virtual no nome.

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“Cada vez que ouso falar em Israel me acusam de dupla lealdade. E, no entanto, não há ninguém mais francês do que eu. A França que eu amo: aquela que não pergunta de onde você vem antes de se comover com a sua sorte. Aquela que te escuta e que bebe à tua saúde antes de te julgar”.

Eu o sigo no Instagram, onde, no domingo, ele postou este texto. Eu me identifiquei muito com as sete primeiras palavras, “cada vez que ouso falar em Israel”. É isso, é exatamente isso: o verbo é ousar. Cada vez que ousamos falar em Israel. Falar sobre Israel deveria ser simples, é só um país; só que não.

Falar sobre Israel é destampar um caldeirão de ódio mal disfarçado.

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É preciso ter muita paciência, ter muito tempo sobrando, ter uma casca muito dura. Não é coisa que se tenha todo dia. Seria de imaginar que, no momento em que o país foi invadido, em que inúmeros pogroms foram cometidos, as manifestações de horror fossem inequívocas. Com Israel? Nunca.

Li coisas horríveis. O resumo é: “Fizeram por merecer”.

Israel tem o seu pior governo de todos os tempos, tem uma política asquerosa e provocadora, má e essencialmente burra; o governo de Netanyahu, que dividiu o país e o conduziu de forma tão equivocada e predatória, é indefensável.

Mas não há como “compreender” o terrorismo do Hamas, um grupo de fanáticos religiosos que faz, em Gaza, um governo incomensuravelmente pior do que o de Netanyahu. Para qualquer pessoa bem informada, é impossível estar a favor dos palestinos e, ao mesmo tempo, a favor do Hamas.

Nem vou entrar por aí. A coluna é curta, e muita gente versada em Oriente Médio tem escrito mais e melhor. Eu falo apenas de uma sensação pessoal, de um sentimento que percebi refletido em Paris — onde, pelo menos, houve uma grande manifestação a favor de Israel. Joann Sfar foi, e conta que conversou com uma senhora parecida com a sua avó: “Espero que haja não-judeus também”, disse ela; mas ele também não tem certeza.

“Todo o meu carinho e solidariedade aos amigos que vivem em Israel. Estou horrorizada com as cenas que vi — e, em igual medida, com opiniões que li nas redes sociais.

Certos atos não comportam conjunções adversativas.

O que aconteceu em Israel foi o horror em estado bruto. Mais uma vez, quem sofre as consequências são as pessoas comuns de todos os lados, aquelas que querem apenas tocar as suas vidas em paz.

O Hamas não representa todos os palestinos, assim como Netanyahu não representa todos os israelenses; agora, porém, cada povo será forçado a se unir em torno do que cada um tem de pior e de mais extremista.”