Antônio Carlos Bernardes Gomes (1941-1994) foi um cantor, compositor, ator e comediante brasileiro de muito sucesso. Apesar de ter ficado conhecido por todo Brasil com seu nome artístico, Mussum, existe um lugar onde sempre foi “apenas” Carlinhos: a Mangueira. E foi a quadra da tradicional escola de samba carioca o lugar escolhido para receber a pré-estreia de “Mussum, o filmis” na última quarta-feira, após passagens pelo Festival de Gramado, onde recebeu o Kikito de melhor filme, e o Festival do Rio.

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Na trama, Mussum é interpretado por Thawan Lucas Bandeira (infância), Yuri Marçal (juventude) e Ailton Graça (fase adulta). Os três se reencontraram durante a pré-estreia na comunidade carioca.

— Para viver o Mussum, só o Antônio Carlos. Agora, para retratar o Antônio Carlos, precisa de três atores. É um personagem tão grande que precisa de três atores para dar vida — conta Ailton, de 59 anos, ao lado de Yuri, de 30, e Thawan, de 15, na Manqueira. — Fico muito feliz com a sensação de ter cumprido a missão de fazer uma homenagem com muito amor e carinho para esse cara genial.

Aílton Graça em cena como Mussum em “Mussum, o filmis” — Foto: Divulgação/Desiree do Valle

Dirigido por Silvio Guindane, com roteiro de Paulo Cursino, o longa retrata a vida do artista desde a infância até o auge da fama com os Trapalhões — sem deixar de lado, é claro, o período como integrante do grupo Os Originais do Samba. O lançamento comercial está previsto para o dia 2 de novembro.

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O trio de “Mussuns” demonstra muita afinidade durante a conversa, fruto de uma experiência diferenciada durante a produção. No processo de ensaios, o diretor fez com que cada ator lesse as falas de Mussum em fases diferentes da que interpretava.

Ailton foi o primeiro do elenco a entrar para o projeto, há quase dez anos. Em 2012, enquanto trabalhava em “Até que a sorte nos separe”, o ator ouviu do diretor e produtor Roberto Santucci que ele merecia um papel de protagonista no cinema. Dois anos depois, Santucci comprou os direitos de adaptação de “Mussum Forévis — samba, mé e Trapalhões”, a biografia de Mussum escrita pelo jornalista Juliano Barreto.

Ailton conta que virou mangueirense na juventude mesmo sendo de São Paulo por causa do humorista.

Os outros dois “Mussuns”, por sua vez, foram selecionados através de testes, anos mais tarde, já com Guindane à frente da direção.

Thawan ficou em evidência aos 7 anos, após dividir o palco com o sambista Wilson das Neves (1936-2017) na abertura da Olimpíada do Rio, em 2016. Sete anos depois, ocupa lugar de destaque na Mangueira, onde foi passista mirim e desfilou nos últimos anos. Apesar de ter nascido anos após a morte de seu biografado, o jovem revela que estudou muito e aprendeu a admirá-lo.

Já Yuri lembra que tinha apenas 1 ano quando o artista faleceu, mas ainda assim teve a oportunidade de crescer assistindo a reprises dos Trapalhões na TV.

Mais conhecido pela trajetória na comédia stand-up, Yuri comemora o papel como uma oportunidade de mostrar uma outra faceta ao público, mais dramática. O ator soube que estavam sendo realizados testes para o filme através da atriz Jennifer Dias, sua noiva, com quem divide cenas na produção. Ele brinca que o teste foi muito especial para ele, mas que sofreu um bloqueio de como foi, sem se lembrar de nada, e que só sabe que foi bem porque acabou recebendo o papel.

— O Mussum é o brasileiro nato. É o cara que zoa, que bebe, que gosta de futebol, de samba. Sempre foi uma referência para mim como comediante preto, junto com Jorge Lafond e Hélio de la Peña — destaca Yuri. — Antes tivemos Grande Otelo, mas sempre foram poucas as nossas referências pretas. É importante estarmos sempre colocando eles na devida posição de ídolos e mostrar pra galera preta um protagonista gigante, como era o Mussum, que até hoje é um meme, mesmo depois de tanto tempo.

Ailton Graça (alto), Yuri Marcal (centro) e Thawan Lucas Bandeira (baixo), estrelas de "Mussum, o filmis" — Foto: Leo Martins / Agencia O Globo
Ailton Graça (alto), Yuri Marcal (centro) e Thawan Lucas Bandeira (baixo), estrelas de “Mussum, o filmis” — Foto: Leo Martins / Agencia O Globo

Ailton, Yuri e Thawan são unânimes em apontar a importância de Silvio Guindane no processo e no resultado do longa. Ailton reforça a importância de ter um cineasta preto à frente da história, e destaca o papel de aliado do produtor Roberto Santucci ao admitir que, como homem branco, não era a pessoa ideal para tocar o projeto.

— A experiência no set foi maravilhosa. O Silvio juntava a gente para cada um pegar a energia do outro como Mussum e fazer esse troca magnífica — conta Thawan, que, além de Mussum, já interpretou Pixinguinha nos cinemas (em “Pixinguinha, um homem carinhoso”, de 2021). — Depois que eu fui aprovado no teste, comecei a estudar mais sobre o Mussum, depois li o roteiro e fiquei conhecendo mais, me comparei muito e me identifiquei muito, principalmente com a relação dele com a mãe, que não queria que ele fosse pro samba. A minha mãe é igual à dona Malvina.

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Larissa Luz e Yuri Marçal encarnam Elza Soares e Mussum em "Mussum, o filmis" — Foto: Divulgação/Desiree do Valle
Larissa Luz e Yuri Marçal encarnam Elza Soares e Mussum em “Mussum, o filmis” — Foto: Divulgação/Desiree do Valle

Os três atores, inclusive, também ficam em sintonia ao tratar a relação entre Mussum e sua mãe, Malvina, como a grande história do filme. Na trama, o papel da mãe é dividido entre Neusa Borges e Cacau Protásio. O elenco conta ainda com nomes como Gero Camilo, Stepan Nercessian, Felipe Rocha, Nando Cunha, Clarice Paixão, Flávio Bauraqui, Larissa Luz, Mary Sheila, Ícaro Silva e Wilson Simoninha.

— O filme demorou muito tempo para ser feito, mas aconteceu no momento certo. Filmamos num período ainda de pandemia, com muitas pessoas em uma sintonia tão mágica de querer fazer. Acordávamos cinco e meia da manhã para gravar uma cena e antes mesmo de tomar café já estávamos sorrindo e cantando Os Originais do Samba — lembra Ailton. — Foi uma celebração da vida e desse encontro.

Antes de ser exibido na Mangueira, “Mussum, o filmis” contou com sessões badaladas no Festival de Gramado e do Rio. Em agosto, no evento da Serra Gaúcha, o longa saiu premiado com seis Kikitos e uma menção honrosa, incluindo melhor filme, ator (Ailton Graça), ator coadjuvante (Yuri Marçal) e atriz coadjuvante (Neusa Borges). Na mostra carioca, como hors concours, lotou o Cine Odeon, na Cinelândia, para uma sessão emocionante com a presença de quase toda equipe.

Já a sessão na Mangueira reuniu familiares e amigos do eterno trapalhão, além de pessoas da comunidade e de parte da equipe e do elenco da produção. Nilton da Mangueira, de 85 anos, estava presente na quadra da escola e relembrou a amizade com Mussum.

— Fomos moleques juntos, nossas mães eram amigas. Ele não era do morro da Mangueira, eu tentava chamar ele para vir aqui, mas ele nunca queria. Até que um dia veio, e nunca mais quis sair — lembra Seu Nilton, que é interpretado no filme por Mussunzinho, filho do trapalhão. — Ele tinha uma personalidade muito expansiva, falava com todo mundo, acabou ficando mais famoso no morro do que eu. Fico muito feliz de ver o filme sendo exibido na Mangueira, porque mostra pra muita gente que não conheceu o Carlinhos quem ele foi.

Exibicao do filme "Mussum, o filmis" na quadra da Mangueira — Foto: Leo Martins / Agencia O Globo
Exibicao do filme “Mussum, o filmis” na quadra da Mangueira — Foto: Leo Martins / Agencia O Globo

A relação íntima entre Mussum e Mangueira está presente no filme, que mostra sua participação no programa educacional “A voz do amanhã”, liderado por Alcione (vivida por Clarice Paixão). O “Mumu da Mangueira” também atuou como diretor da ala das baianas da escola.

— Mussum sempre foi muito arteiro, brincalhão. No ano do quarto centenário do Rio (1965), quando o Salgueiro ganhou, eu fazia parte da Ala das Baianas, e foi o Mussum que fez nossa coreografia — lembra Soninha da Pedra, de 79 anos, integrante da Velha Guarda da Mangueira. — Ele era um grande professor, pena que se foi, mas deixou um grande legado na nossa escola.

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Integrante da atual Ala das Baianas, Michele Ribeiro, de 48 anos, comemorou a oportunidade de ver uma sessão de cinema na quadra da escola e revelou surpresa ao descobrir a relação do trapalhão com a Ala.

A sessão na Mangueira lotou a quadra da escola e os presente não se deixaram afetar pela noite chuvosa no Rio. Além dos veteranos da escola, a apresentação do filme contou com muitas crianças que puderam descobrir quem foi Mussum. Uma delas, logo após a sessão, interrompeu uma fala de Ailton Graça para avisar “você estava ali na tela”.

Terminado o filme, após calorosos aplausos, a quadra recebeu aquilo pelo qual é mais conhecida: o samba. Comandada pelo mestre Taranta Neto, a bateria da escola entrou em cena ao som de “Exaltação à Mangueira”, na condução do intérprete Dowglas Diniz e com a presença do casal de mestre-sala e porta-bandeira Renan Oliveira e Débora de Almeida.

— É muito bonito ver o espírito do Mussum nos alimentando de alegria depois de tanto tempo — fala José Luís, de 85 anos, membro da Velha Guarda que foi à sessão ao lado da mulher, Maria Emília, de 75. — O filme mexeu muito comigo, porque ele era meu camarada. O Mussum era um elemento muito igual. Ele era a gente. Fiquei muito emocionado e achei formidável exibir essa história e esses ensinamentos aqui na Mangueira.

Quem também se mostrou emocionado na pré-estreia da cinebiografia foi Augusto César, primogênito de Mussum, que conta os encontros que teve, durante as filmagens, com os atores que interpretam seu pai.

— A primeira vez que visitei as filmagens foi na quadra da Mangueira. Eu cheguei com o Sandro, meu irmão, e vimos o Ailton passando com a Cinnara Leal (que interpreta Dona Neila, mulher de Mussum). Nós ficamos congelados, sem palavras, porque ele estava muito parecido com meu pai — lembra Augusto, de 57 anos. — Ri bastante com o filme, mas chorei ainda mais. É muito emocionante, e fiquei muito feliz com o resultado.