Apostar na boa e velha diversificação das carteiras, que pode capturar tanto a melhora quanto a piora dos mercados. É o que recomendam os gestores de recursos neste momento de incerteza sobre a trajetória dos juros americanos, principal preço da economia mundial, e que foram consultados para a atual edição do “Guia Valor de Fundos de Investimento”, elaborado pelo economista Marcelo d’ Agosto, que analisou 1.500 produtos.

A diversificação pode contrabalançar os ganhos e perdas num ambiente que vem surpreendendo. Entender para onde vai a inflação americana e, por tabela, os juros, não tem sido fácil: não há convicção sobre o término da alta dos juros de longo prazo dos Estados Unidos e tampouco sobre novas elevações. No primeiro caso, os ativos de risco como a bolsa, os prefixados e os títulos de crédito privado saem ganhando e, no segundo, perdendo.

Acertar o momento em que as tendências mudam é praticamente um lance de sorte, consideram os gestores. E, se o investidor não estiver aplicado, não captura esses momentos que podem ser decisivos para a rentabilidade da carteira. “O mercado não está binário, ou seja, não se trata de estar dentro ou fora do risco. Faz sentido ter exposição a risco, balanceada pelo apetite de cada um. Recomendamos que o investidor não seja excessivamente cauteloso porque os ‘valuations’ estão atrativos”, afirma Paulo Clini, diretor de investimentos da Western Asset. Clini diz que os prêmios dos títulos de crédito privado, por exemplo, estão acima da média histórica, e que se os juros cederem, esses papéis serão valorizados, e o mesmo aconteceria com as ações.

Embora a categoria de fundos multimercados tenha desempenhado mal ao longo de 2023, Rafael Mazzer, sócio do BTG Pactual, considera que eles são importantes para diversificação. “A taxa de juros está alta, mas em algum momento vai haver um reajuste. É preciso manter uma disciplina nos investimentos, colocando mais na renda fixa quando ela está rendendo bem, mas sem esquecer de outras classes de ativos. Não dá para deixar de ter multimercados e bolsa na carteira. Um time que não está sendo atacado não tira o zagueiro e o goleiro.”

No Santander Asset Management, a expectativa é que essa diversificação comece, para investidores com perfil moderado, pela renda fixa prefixada, em títulos atrelados à inflação e em crédito privado. Rudolf Gschliffner, responsável pela área de produtos, diz que o crédito privado é uma alternativa boa para esse perfil porque combina juros elevados e spreads ainda atraentes, apesar do recuo dos spreads dos títulos de primeira linha: “O investidor ainda tem um momento atrativo para o crédito privado porque os juros estão altos e o fechamento do spreads não se deu por completo. Agora vamos começar a ver uma segunda onda, que vai beneficiar os ativos com um pouco mais de risco.” Ele também recomenda multimercados. As perspectivas da bolsa não são tidas como positivas e a visão é “neutra”.

Faz sentido ter exposição a risco, balanceada pelo apetite de cada um”

— Paulo Clini

O mercado anda surpreso porque os juros básicos americanos saíram de 0% para entre 5,25% e 5,5%, mas a economia não desacelera, o que pode levar o Banco Central (Fed) a manter os juros altos por mais tempo. Até o fechamento desta edição, não se esperava pelo alastramento da guerra entre Israel e o Hamas – cujos efeitos seriam muito negativos também na economia: alta na cotação do petróleo, da inflação e dos juros.

“O mercado continua postergando a recessão americana para a semana que vem”, diz Ricardo Negreiros, diretor do Safra Asset Management. Para ele, a expectativa é que as taxas de curto prazo fiquem restritivas por muito tempo, até o Fed sinalizar que está preocupado com a atividade econômica. “A curva longa vai despencar quando tudo já tiver se materializado. Será uma grande oportunidade, mas ainda é cedo para fazer essa aposta.”

Negreiros recomenda uma carteira equilibrada, aumentando a alocação em um ou outro ativo a depender das tendências. Entra aí o crédito privado (debêntures incentivadas, LCAs e LCI), bolsa e multimercados – considerados importantes porque podem fazer apostas relativas entre setores, moedas, ativos e países.

Para muitos, o aperto da política monetária americana pode estar demorando a surtir efeito, mas essa hora vai chegar. É a visão de Philipe Biolchini, CIO da Bradesco Asset Management: “O cenário dos juros americanos está dominando o humor dos investidores, e nosso papel é reduzir a volatilidade dos ativos de risco para aqueles que não se sentem confortáveis em ficar 100% atrelados ao CDI”. As aplicações pós-fixadas (CDI) estão rendendo juros reais de 6% ao ano, o que traz muito conforto ao investidor. Mas, para aqueles com maior propensão a risco, Biolchini vê ganhos significativos se o cenário positivo se materializar. Essas oportunidades estão, por exemplo, em títulos públicos (NTN-Bs) rendendo inflação + 6%, carteiras de ações com retornos de dividendos (dividend yields) também de 6% – e, nesses dois ativos, com a possibilidade de ganho de capital, inexistente no CDI, se os juros cederem.

No Brasil, a preocupação com os juros americanos afeta todos os ativos. O recente estresse nos juros longos nos EUA reduziu o espaço para novos cortes da taxa Selic. José Tovar, CEO da Truxt Investimentos, considera que o risco fiscal não despareceu do radar, embora a situação por aqui esteja “razoavelmente bem arrumada” após a aprovação do arcabouço fiscal, pelo bom saldo da balança comercial e queda da inflação. Para Tovar, apesar do CDI alto, o investidor não deveria ficar com todo o dinheiro estacionado no pós-fixado. Além das NTN-Bs, que pagam cerca de 6% acima da inflação, ele vê oportunidades na bolsa, considerada muito barata e que pode andar bem num cenário mais positivo. Os prefixados estão com rendimentos gordos, mas no momento são apenas para os “muito corajosos”, avalia.

Alfredo Menezes, CEO da Armor Capital, diz que o mercado não acredita no déficit zero prometido para 2024 e que a existência de receitas não recorrentes e despesas recorrentes deve se tornar aparente. Por isso, ele não considera os prefixados mais longos interessantes e está apostando na alta das taxas longas. Já as NTNB-são tidas como um dos ativos com melhor risco e retorno e integram os fundos da Armor. Menezes está otimista com a bolsa americana, que representa hoje 25% da carteira, e pessimista com a brasileira.

Para outros, o cenário negativo vai se prolongar. É o caso de Fabiano Godoi, sócio da Kairós Capital, para quem o foco de tensão (os juros americanos) permanecerá ao longo de 2024. “É muito pouco provável que Fed consiga trazer a inflação para o alvo sem produzir uma desaceleração forte da economia.” Godoi considera que o processo de transmissão da política monetária está mais lento que o usual, e que ou Fed terá que subir mais os juros, ou mantê-los elevados por muito mais tempo. “Não é nada positivo para ativos de risco em geral.” Por isso, recomenda as posições defensivas para aproveitar os juros altos aqui no Brasil e, ainda, a aplicação em multimercados – que podem, por exemplo, ficar vendidos nas bolsas de países desenvolvidos.