A Procuradoria-Geral da República, postulada por Bolsonaro e confirmada pelo Plenário do Senado, explica que a expressão lawfare não é suficiente para explicar todo o conteúdo semântico que contém, esclarece que seu papel é impedir a criminalização da política e destaca a importância do devido processo legal em qualquer processo legal. Os riscos da polarização.

Como você vê o Brasil hoje com o presidente Lula, depois das eleições altamente polarizadas do ano passado, e esta que começou com ameaças à democracia, quando militantes de Bolsonaro invadiram a Praça dos Três Poderes?
O Brasil continua a ser a nação da esperança. Nosso atual governo começou no dia 1º de janeiro, montando uma equipe com pessoas de enorme experiência na política, na economia e em vários segmentos do Estado. Acho que a polarização certamente corrói a democracia, não só no Brasil, mas em todos os países. Porém, o Brasil tem suas peculiaridades, não é só o país do carnaval e do futebol, é uma mistura de povos com diferentes correntes de opinião, pluralismo político, multiculturalismo. Temos a capacidade de nos emocionar quando nossos irmãos argentinos também se tornam campeões mundiais de futebol. Somos um povo de esperança e afirmamos que um governo eleito pelo povo é o governo possível e necessário para que o Brasil encontre seu caminho de desenvolvimento socioeconômico sustentável. Então eu faço esta abertura simples para todos os nossos leitores.

O clima social mudou com a mudança de governo?
Temos uma sociedade dividida, tivemos uma vitória do presidente Lula com uma diferença de dois pontos, isso sim gerou alguns problemas sociais. Em 8 de janeiro houve um movimento de certa insurreição, o resultado foi muito infeliz. Tivemos que fazer 1.200 denúncias criminais contra instigadores, financiadores e diversas pessoas que contribuíram para o ataque à democracia. Nada que não seja nosso dever. Nosso dever é obter a Constituição e as leis. Mas, como disse há pouco, esperamos que os brasileiros continuem unidos em torno de interesses comuns. Fui à Argentina para participar de uma reunião especializada dos Promotores do Mercosul e na qual todos os Promotores discutiram temas que nos são comuns, como o combate às organizações criminosas nas fronteiras, o combate ao cibercrime, o crime e também o questão da violência contra a mulher. O Ministério Público brasileiro está trabalhando para manter a ordem jurídica, que é seu dever, desde a segurança alimentar, a educação, a saúde, o combate ao crime, mas também a defesa da democracia, dos direitos e garantias individuais, dos interesses sociais etc. único no mundo que não trata apenas do combate ao crime. mas também outras questões, interesses sociais individuais, meio ambiente, consumidor, defesa de minorias, enfim, nosso Ministério Público brasileiro tem suas peculiaridades.

Você disse: “A polarização é o pior veneno para a democracia. Na polarização, um procurador como eu não gosta do governo nem da oposição. É acusado de omissão quando apenas age com cautela para não ultrapassar o limite”. A polarização afeta as instituições democráticas e mudou a forma de fazer política no Brasil?
A polarização é um fenômeno mundial. Manifesta-se justamente pela superação do dissenso em busca do consenso social. É fundamental em uma democracia que as maiorias primeiro respeitem as minorias. Em segundo lugar, que a liberdade de expressão e opinião seja respeitada, em todas as suas dimensões. E a polarização contribui para a falta de reflexão sobre questões que nos são caras, principalmente as políticas. Não podemos nos traduzir na política eleitoral partidária como se estivéssemos indo ao estádio de futebol torcer para um grande time, não. Quando falamos de política, escolhemos os políticos e as políticas públicas que vão determinar o destino do nosso povo. De certa forma, a polarização que tanto nos incomoda pelo enfraquecimento da democracia ameaça o que acreditamos ser fundamental em nosso regime democrático: o respeito às opiniões alheias, o respeito às diferentes correntes de opinião, nosso Parlamento em todos os Parlamentos, desde sua criação por John Locke no século XVII, já se baseava exatamente na possibilidade de ter um amplo ambiente de discussão, um ambiente em que todos pudessem se expressar, independente de classe social ou gênero.

Você faz parte do grupo de juristas que redigiu o projeto de lei da reforma eleitoral, o que aconteceu com você quando no ano passado, antes das eleições, o ex-presidente Bolsonaro ameaçou e se manifestou contra o voto eletrônico, questionando o método de votação?
Em primeiro lugar, é necessário referir que o Procurador-Geral da República não pode exercer a advocacia, pelo que não o faço há alguns anos. Em segundo lugar, também é importante ressaltar que sou professor de Direito Eleitoral e Direito Comercial da Universidade de Brasília, com 33 anos de experiência docente. Nessa atividade fiz parte de algumas comissões de juristas para a edição das reformas eleitorais, bem como da edição do Código de Processo Civil Coletivo, que não obteve sucesso em 2009-2010, quando passou a ser sucedido pelo direito processual civil instituições. coletivamente, nosso Código de 2015. Como resultado, escrevemos uma série de livros sobre direito eleitoral. No entanto, é importante observar que, com base no entendimento das teorias da comunicação ou da semiótica da política, nós do mundo jurídico devemos aderir, de acordo com a ciência do direito, à teoria geral do direito, aqueles fatos relevantes que merecem um tratamento eminentemente jurídico. A lei age de forma muito estrita, enquanto a retórica política tem um formato mais livre. Cada vez que examinamos aqui qualquer representação feita por um partido, um parlamentar ou mesmo por um cidadão sobre determinado discurso, analisamos todas essas representações nos termos da lei brasileira e da Constituição. Dessa forma, ou o que no Brasil chamamos de “blá, blá, blá político” ou retórica tecnicamente política, só ganha repercussão nos tribunais do Ministério Público quando essa retórica política arranha o ordenamento jurídico, quando transcende o sistema político. Por isso, em nosso governo, oferecemos oito representações contra o presidente Bolsonaro, que me indicou duas vezes e o Senado ratificou minha indicação duas vezes com mais de 80% de aprovação. Ainda em relação a outros acontecimentos, fizemos mais de oito denúncias criminais contra seus ministros, dos quais sete ou oito também renunciaram. Alguns foram afastados de seus cargos. Então, durante o governo Bolsonaro, quando eu tinha três anos e três meses de mandato, fizemos oito inquéritos criminais contra Bolsonaro, mais de dez no âmbito da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da covid, e mais oito inquéritos contra ministros da Bolsonaro. Posso garantir que dezenas e dezenas de representações chegam aqui todos os dias, seja no atual governo ou no anterior. Queria destacar a importância dos números, a imprensa registra que a PGR abriu 74 denúncias criminais contra o então presidente Jair Bolsonaro, com apenas 120 dias de governo do presidente Lula, já temos uma centena de representações no governo. Se parece estranho, eu entendo, mas posso explicar o que é a criminalização da política no Brasil. Alguém planta nota na imprensa atribuindo a algum funcionário algum tipo de crime ou ato ilícito, e alguém apela ao Ministério Público para que, ao menos, adote medidas construtivas que possam levar a uma ação penal contra o funcionário. Isso é feito sem nenhum cuidado técnico. Isso afeta o que chamamos de abuso do direito de petição ou representação. De certa forma, até agora, não abrimos nenhuma investigação criminal contra o governo Lula, porque até agora não tivemos elementos para isso, apesar de o número de representações ser ainda maior do que o do governo anterior. Isso significa que a distinção entre o que é retórica política e o que é discurso jurídico é precisa, mesmo em nações democráticas ao redor do mundo. O discurso jurídico movimenta as estruturas normativas, mas o discurso político situa-se no campo do sistema eminentemente político, em que a abertura permanente desse diálogo, mesmo muitas vezes ofensivo, agressivo e que não arranha, não fere o direito até que vai além de um certo limite. É assim que analisamos todas as representações de todas as medidas que chegam ao Ministério Público. O que tenho a lamentar da nossa conversa é que num passado distante, na época da Lava Jato, foi o Judiciário e o Ministério Público, que hoje presido e mando, que o chefe do interior que criminalizou a política, o gestão nos últimos quatro anos, foram os partidos de esquerda que criminalizaram a política. Agora. a política da direita está criminalizando a política da esquerda. A Procuradoria-Geral da República não é o governo, não é a oposição, é a Constituição Federal. Ele tem o dever de zelar pela Constituição e pelas leis, goza das garantias constitucionais e está sujeito ao sistema de freios e contrapesos, assim como o Presidente da República, os ministros do Supremo Tribunal Federal. Dessa forma, agimos com cautela dentro da Constituição e das leis, pois a criminalização da política tomou conta do Brasil. Desde 2014 há uma derrocada social e, sobretudo, econômica, pela desestabilização institucional que sofremos com a conhecida Lava Jato, que hoje transformei em 27 mesas de trabalho de combate ao crime organizado. Ou seja, o Brasil tem 26 unidades estaduais e um Distrito Federal. Hoje o Ministério Público Federal, criado por mim durante minha gestão, tem 27 órgãos com todas as garantias constitucionais, com orçamento, recursos, pessoal, laboratórios científicos, para enfrentar o crime como um todo. Ou seja, nosso posicionamento em nossa gestão é sempre cumprir a Constituição, porque essa é a nossa vocação, principalmente a de 1988, que superou todas e cada uma das Constituições brasileiras no que se refere às atribuições conferidas ao Ministério Público brasileiro.

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por Jorge Fontevecchia

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